terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Aqui Está-se Sossegado

Aqui está-se sossegado
Longe do mundo e da vida,
cheio de não ter passado,
até o futuro se olvida.
Aqui está-se sossegado.

Tinha os gestos inocentes,
seus olhos riam no fundo.
Mas invisíveis serpentes
Faziam-a ser do mundo.
Tinha os gestos inocentes.

Aqui tudo é paz e mar.
Que longe a vista se perde
Na solidão a tornar
em sombra o azul que é verde!
Aqui tudo é paz e mar.

Sim, poderia ter sido ...
Mas vontade nem razão
O mundo tem conduzido
a prazer ou conclusão.
Sim, poderia ter sido ...

Agora não esqueço e sonho.
Fecho os olhos, ouço o mar.
E de ouvi-lo bem, suponho
que veio azul a esverdear.
Agora não esqueço e sonho.

Não foi propósito, não.
Os seus gestos inocentes
tocavam no coração
como invisíveis serpentes.
Não foi propósito, não.

Durmo, desperto e sozinho.
Que tem sido a minha vida?
Velas de inútil moinho.
Um movimento sem lida...
Durmo, desperto e sozinho.

Nada explica nem consola.
Tudo está certo depois.
Mas a dor que nos desola,
a mágoa de um não ser dois
nada explica nem consola.

FERNANDO PESSOA

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